O MERCADO CONTRIBINDO COM A CIDADE – ARQ. NABIL BONDUKI

Nabil Bonduki: O mercado pode contribuir com a cidade

O desafio da revisão da Operação Urbana Consorciada Água Branca (Oucab), em debate na Câmara Municipal, é romper com a tradição desse instrumento em São Paulo.
Marcadas pela ausência de planos urbanísticos, adensamento imobiliário sem ordenação, estímulo ao automóvel e excessiva valorização imobiliária, que gera exclusão socioterritorial, as operações não raro são vistas como método que não traz benefícios para a cidade.
O instrumento, entretanto, tem gerado grande aporte de recursos. As quatro operações em vigor (Água Branca, Águas Espraiadas, Faria Lima e Centro) arrecadaram quase R$ 6 bilhões, dos quais quase 60% ainda estão em caixa. Esses recursos, obtidos por contrapartida do processo imobiliário, podem, se bem aplicados, ordenar regiões deterioradas, garantir o interesse social e a recuperação ambiental. É o que se espera da Oucab.
A proposta original, elaborada pela SP-Urbanismo, com contribuições de entidades da região, já trazia avanços relevantes. No debate do projeto de lei promovido pela Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara Municipal, foi possível aperfeiçoar o texto e enfrentar, com mais ênfase, os problemas recorrentes em outras operações urbanas.
A área da Oucab, com 5,6 km² e 12.977 habitantes (Censo de 2010), situa-se em região privilegiada, com linhas de metrô, trem e corredor de ônibus e alto índice de emprego. Mas é urbanisticamente desestruturada, com baixíssima densidade (25 hab/ha). É a última região do centro expandido a ter grandes terrenos ociosos ou subutilizados e usos incompatíveis com o seu potencial.
Ao contrário de outras operações, a Água Branca é orientada por um plano urbanístico que estimula o uso misto, a fachada ativa (térreo que se abre para as calçadas), a habitação social e de mercado popular, as vias que privilegiam o transporte coletivo, ciclovias e calçadas e a valorização do espaço público e das áreas verdes.
Ela rompe com o padrão de verticalização predominante –marcado pelo adensamento construtivo com baixa densidade demográfica, grande número de garagens, estimulando o automóvel, e o rebaixamento do lençol freático. E busca incentivar a construção de apartamentos pequenos para atender a baixa classe média, impõe um número máximo de garagens e limita o uso do subsolo. Espera-se que o mercado aceite bem essas inovações, contribuindo para a qualificação urbanística e social da cidade.

Outra inovação é a criação de um perímetro expandido, área mais ampla onde podem ser aplicados recursos da operação. Permitirá realizar obras de drenagem desde as nascentes dos córregos Água Preta e Sumaré, produzir habitação de interesse social (HIS) e urbanizar assentamentos precários em vários bairros da zona norte.
Esses dispositivos e, ainda, a construção de equipamentos sociais para a população que deverá ocupar a área e a definição de um mínimo de 20% a 30% dos recursos para HIS deverão romper com o caráter segregador que tem caracterizado as operações urbanas.
A implantação de parques –inclusive nas áreas ocupadas pelos centros de treinamento do São Paulo e do Palmeiras quando vencerem os contratos de concessão, ou antes, se assim decidirem os vereadores–, a criação de áreas verdes ao longo dos cursos de água e a ampliação da retenção das águas pluviais nos lotes gerarão impacto positivo no ambiente, com um melhor equilíbrio entre a área livre e a construída.
Assim, espera-se que o adensamento populacional proposto, necessário para disponibilizar uma região privilegiada para um maior número de paulistanos, possa gerar um bairro com qualidade urbanística, diversidade de uso e de classes sociais, apontando para uma cidade mais justa e democrática.
NABIL BONDUKI, 58, livre-docente em planejamento urbano, professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, é vereador em São Paulo pelo PT

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