TUDO À PÉ, A 15 MINUTOS
A tradução da urbanidade com qualidade de vida sugere essa receita: acesso a tudo o que precisa: transporte coletivo, comércio, serviços e lazer acessível caminhando a partir de sua casa por até 15 minutos.
Este formato, chamado de “A Cidade de 15 Minutos”, desenvolvido pelo professor Carlos Moreno, da Universidade Paris 1 P. Sourbonne, serve de inspiração para muitos outros projetos urbanísticos pelo mundo em novas e revigoradas versões do planejamento urbano americano do início do século passado. Diagramado e implantado em Paris pela prefeita Anne Hidalgo, com afinco. Paris hoje tem mais da metade de seus deslocamentos sendo feitos a pé, removeu mais da metade das vagas de carros nas ruas para as ciclovias, e por aí vai…
Assim como qualquer diretriz humana, considerações à cerca de promover urbanidade deveriam estar pautadas naquilo que os cidadãos, ou melhor, os seres humanos possuem essencialmente pré-determinado e finito: o tempo.
Muito da vida que levamos não considera a importância do tempo que temos, e, certamente, deveria. O nosso maior luxo é o bem estar, viver bem e com plenitude. Isso tem uma relação íntima de cada um e suas relações, mas o papel da sociedade no meio urbano como pano de fundo deste convívio deve priorizar o acesso e a redução do tempo de deslocamento para propiciar o aumento
da qualidade de vida. Temos hoje situações em que um habitante de São Paulo, de carro ou em transporte coletivo, demora cerca de 3 horas para chegar ao local de trabalho e outras 3 no retorno para casa no final do dia, isso é a tradução do fracasso do planejamento urbano e da estrutura da sociedade como um todo.
Ao diminuir o tempo dos deslocamentos descentralizando as estruturas em núcleos pontuais e menores, surgirão outros benefícios diretos dessa reestrutura urbana como a melhora da qualidade do ar, que ao retirarmos os carros das ruas irá acontecer como reação imediata e valiosa. Caminhar ou andar de bicicleta em locais seguros e adequados irá induzir a promoção da saúde coletiva. Segurança, também será um reflexo da cidade acessível, retomar velhos hábitos tão saudosos da nossa raiz imigrante no “papo” com o vizinho ou o passeio na praça.
O carro de alguém, mais do que ferramenta do ir e vir é, muitas vezes, um símbolo de status, de sucesso pessoal, uma representação que precisa ser substituída por uma mentalidade mais consciente rumo a viver mais e da melhor forma possível. Ir ao trabalho a pé, em uma rua larga, arborizada, com segurança, seria um genuíno privilégio.
Priscilla Mengue fez uma matéria ilustrada para o Estadão, muito especial, nela, croquis das intervenções que tornariam as cidades sustentáveis. Entre as ilustrações, nos animamos nos coloridos mobiliários urbanos, ruas transformadas em calçadão, bicicletas e pedestres priorizados nos perímetros da cidade. Pensando em como seria abrir as escolas e seu entorno para viabilizar a circulação dos jovens e crianças e incluí-las na cidade e no ambiente escolar cada vez mais, criar sistemas de energia renováveis, dar uso aos térreos dos edifícios residenciais com comércio e lazer.
Celso Aparecido Sampaio, professor de Urbanismo da Mackenzie, identifica: “Nas zonas de infraestrutura muito bem resolvida, eu tenho ônibus, trólebus, ciclovia, bicicleta para aluguel, trem, metrô, corredor de ônibus, toda a infraestrutura que nos aproxima de cidades globais.
Na periferia, não tem ciclovia, as calçadas são precárias, o sistema sobre trilhos é insuficiente, tem uma distinção muito clara de distribuição de renda e moradia na cidade.”
Esse fenômeno observado pelo professor, que ele chamou de “imobilidade pela condição da renda” é real e depende de uma transformação profunda na política e suas prioridades. Certo que a revitalização do centro de São Paulo na última década é perceptível, expressiva e transformadora. Mas a periferia e também as cidades de entorno a grande metrópole permeiam de acanhadas propostas para espaços de convívio urbano que muito se distanciam das linhas de Carlos Moreno.
A transformação do meio urbano é, em síntese, uma solução de metas econômicas, sociais e de saúde. O trabalho do urbanista em seu viés humano se sobrepõe ao conhecimento puramente técnico para que se possa gerar esse entendimento de melhor viver, não vejo a hora de trazermos isso à realidade de nossa existência.
Mariana Meneghisso. Arq. Urbanista pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo, Design de Interiores pela Escola Panamericana de Artes. Titular, há 15 anos do escritório Meneghisso e Pasquotto Arquitetura.
www.pasquottoarquitetura.com.br
Matéria da revista AETEC 35º edição.
Boa leitura!