LOGÍSTICA REVERSA E CONSTRUÇÃO CÍVIL: CONTRIBUIÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE 

A produção de bens e serviços vem passando por mudanças frequentes ao longo dos anos, praticamente em todos os setores da economia, sempre buscando produzir mais com menos recursos. A construção civil também se inclui nesse processo, uma vez que existe um déficit habitacional no país, com necessidade de novas moradias. Por outro lado, o mundo como um todo tem outros desafios: em 2030, logo ali, a população mundial deve atingir 9 bilhões de habitantes e, em 2100, um pouco mais distante, estima-se 11,2 bilhões de habitantes. Isso gera uma maior necessidade de alimentos e moradias e algo tem que ser repensado para atender tais demandas, fora os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, definidos em 2015 para serem alcançados até 2030, entre eles: acabar com a pobreza e com a fome, vida saudável para todos, disponibilidade de água e saneamento, industrialização inclusiva e sustentável e tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros e sustentáveis.

O crescimento populacional acelerado e a utilização da tecnologia ocasionou a extração de recursos naturais de forma inconsciente, provocando um desequilíbrio ambiental, capaz de colocar em risco o ecossistema (ou seja, o sistema formado pela inter-relação dos seres vivos com o ambiente). Para muitos autores e pesquisadores, o ecossistema terrestre é incapaz de sustentar o nível de atividade econômica e de consumo de matéria-prima nos níveis atuais.

A construção civil afeta o meio ambiente de diversas formas: extração de várias matérias-primas utilizadas em outros produtos (revestimentos cerâmicos, louças sanitárias, tubos e conexões), utilização de areia e brita, alteração do entorno da construção, geração de resíduos e impactos na locomoção de pessoas e mercadorias.

São três aspectos relevantes aqui analisados: a logística, a sustentabilidade e a própria construção civil.

Logística, segundo Ballou (1993), trata de todas as atividades de movimentação e armazenagem que facilitam o fluxo de produtos/serviços, desde o ponto de aquisição da matéria-prima até o ponto de consumo final, assim como dos fluxos de informação que colocam os produtos em movimento com o propósito de providenciar níveis adequados aos clientes a um custo razoável. Ou seja, a logística é uma atividade importante para a produção de qualquer bem ou serviço ocorrer em condições propícias, seja no processo em si, bem como no tocante ao custo e satisfação das partes envolvidas.

Com aplicação cada vez mais intensa da tecnologia na logística e o atendimento de outras necessidades, surge a logística reversa. Leite (2009) entende que a logística reversa é a área da logística empresarial que planeja, opera e controla o fluxo, e as informações logísticas correspondentes, do retorno dos bens de pós-venda e de pós-consumo ao ciclo de negócios ou ao ciclo produtivo, através dos canais de distribuição reversos, agregando-lhes valor de diversas naturezas: econômico, ecológico, legal, logístico, de imagem corporativa, entre outros. A logística reversa envolve um processo de planejamento, implementação e controle de eficiência das matérias-primas utilizadas na produção que acontece desde o consumo até o ponto de origem e descarte de forma que, ao fim do ciclo de consumo pelo cliente, seja alcançada a recuperação de valor e se utilize um descarte correto, com menor impacto ambiental possível.

A lei nº 12.305/10 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e contribuiu para que as empresas pesquisassem cada vez mais alternativas para tornarem seu processo de produção sustentável, envolvendo não apenas a parte produtiva, mas toda a sua cadeia de stakeholders, ou seja, uma política que interfere no modus operandi das empresas: geração de resíduos de todos os processos produtivos.

A própria PNRS caracteriza a logística reversa como uma cadeia de ações que trata a coleta e o direcionamento adequado de resíduos sólidos das empresas para reaproveitamento no ciclo produtivo das mesmas, ou, em caso de não ser material reaproveitável, a destinação ambiental correta.

Foram apresentados conceitos de logística e logística reversa, mas e a sustentabilidade? De acordo com Peña et al (2017), o Relatório Brundtland – Our Common Future, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987), formaliza pela primeira vez o conceito de desenvolvimento sustentável, ou seja,

‘’O desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades e aspirações”.

A sustentabilidade também pode ser definida como a utilização dos serviços da natureza dentro do princípio de manutenção do capital natural, isto é, a utilização dos recursos naturais de acordo com a sua capacidade de renovação dentro do sistema (BELLEN, 2006).

As duas definições de sustentabilidade citadas apresentam em comum a preocupação com o futuro, não só das gerações, mas de todo o sistema envolvido, isto é, a vida na Terra.

Se a construção civil utiliza diversos recursos naturais na consecução de seus objetivos, por que não se valer da logística reversa nesse processo produtivo buscando maior sustentabilidade, uma vez que a construção civil gera um volume significativo de materiais diversos, e, conforme Pereira et al (2019), a logística reversa trabalha a reciclagem via retorno de materiais anteriormente consumidos, troca de produtos, reutilização de produtos, distribuição ordenada de resíduos e remanufatura de bens retornados, sendo uma oportunidade para redução de custos, reaproveitamento de materiais e menor impacto ambiental.

Os resíduos de construção e demolição (RCD) como matéria sólida interferem no meio ambiente e precisam ser classificados quanto ao seu destino e tratamento. A Resolução 307 do CONAMA classifica os resíduos sólidos em quatro classes: classe A – resíduos que podem ser reutilizados, classe B – resíduos que podem ser reciclados, classe C – resíduos não recuperáveis e classe D – resíduos perigosos.

De forma geral, a construção civil é considerada, por muitos, uma das maiores geradoras de resíduos sólidos, e também sofre com problemas logísticos (transporte, armazenagem, etc.) e há um grande consumo de materiais derivados de produtos extraídos do meio ambiente com potencial para reciclagem, por exemplo, cerâmica, argamassa, areia, fibrocimento, concreto, pedra, madeira e ferro, porém, muitas vezes, isso não acontece.

Mas já existem casos de aplicação da logística reversa na construção civil. A pesquisa setorial da ABRECON (Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição), de 2016, mostra que o maior percentual de empresas que tratam os resíduos de construção civil é privado (83%), seguidas de usinas públicas (10%) e de usinas público-privadas (7%), minimizando impactos ambientais e reduzindo custos.

A ABRECON, na pesquisa citada, entrevistou 105 usinas, mas naquele momento havia ao menos 310 em todo o país. A pesquisa cita também que os clientes dessas usinas estão assim distribuídos: 28% construtoras, 24% órgãos públicos, 20% pessoas físicas, 14% do setor de pavimentação e usinagem de asfalto, 14% de outras áreas. A pesquisa ressalta, ainda, que 15 das 27 unidades federativas praticavam reciclagem de RCD, sendo que SP respondia por 54% do total.

Um caso positivo é a Prefeitura de Jundiaí. No Centro de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, em 2015, eram recebidas em torno de 17 mil toneladas, e com um processo de triagem automatizada, o resultado da separação de itens como plástico, ferro, papelão, alumínio, madeira e outros, obteve-se um material com mais qualidade para reciclagem. Itens como madeiras são direcionados para indústrias de processamento, já outros, como plásticos, são comercializados diretamente com outras empresas. O planejamento para o ano seguinte incluía uma fábrica de moldados para construção a partir do Centro, que fabricaria itens como tampas boca de lobo, guias para ruas, bancos, mesas, bloquetes entre outros itens para uso do próprio município. A economia em 2015 foi da ordem de R$ 3 milhões, com expectativa de aumento nos anos seguintes.

Pereira et al (2019) destacam, na iniciativa privada, as empresas NEWINC, PRECON e MRV com conceitos inovadores em seus processos construtivos com muitos benefícios e resultados em seus empreendimentos: utilização de resíduos de construção civil como matéria prima, como pó de pedra, areia e pedriscos que formam um subproduto utilizado como argamassa em substituição da areia para contra piso, orientação aos proprietários sobre políticas sustentáveis dentro do ambiente doméstico, diminuição de resíduos nos canteiros de obras, troca de acabamento cerâmico (gera muito resíduo pelos cortes e quebras) por laminados de madeira, doação de produtos recicláveis (plásticos, vidros, latas e sacos de cimento) para cooperativas de reciclagem, melhoria na produção de lajes evitando desperdício de concreto e aumento da produtividade, nova gestão de resíduos com reaproveitamento de materiais e coleta e tratamento de águas da chuva para reuso.

São mostrados aqui passos iniciais e tem muito que ainda pode ser feito, porém a associação da logística, logística reversa, construção civil e da sustentabilidade gera resultados positivos, tanto financeiros, como sociais e ambientais.

Mauro Campello. Mestre e engenheiro de produção. Palestrante, professor, consultor e estudioso em temas variados. Experiência em diversas áreas de negócios. Sócio da MC Treinamentos

Matéria da revista AETEC nº30 edição.

Revista online

Boa leitura!

0 respostas

Deixe uma resposta

Want to join the discussion?
Feel free to contribute!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *