CIDADES COMPACTAS – O DESAFIO DO PLANEJAMENTO INTEGRADO

Quando Richard Rogers escreveu, em 1997, o livro “Cidades para um pequeno planeta”, no capítulo dedicado às cidades sustentáveis, ele fez uma previsão, como ele mesmo pontua, um tanto perversa.

“Nos próximos trinta anos, o número de habitantes nas cidades dos países em desenvolvimento deverá ser acrescido em 2 bilhões de pessoas. Essa imensa urbanização irá causar um crescimento exponencial no volume de recursos consumidos e da poluição gerada. Contudo, numa matemática perversa, pelo menos metade desta população urbana em crescimento estará morando em favelas sem água corrente, sem eletricidade, sem esgoto e quase sem esperança.’’

Na época em que ROGERS escreveu seu livro, a população mundial beirava 6 bilhões de habitantes. Hoje, passados 21 anos, a população mundial, segundo dados da ONU (2017) é de 7,6 bilhões de habitantes, dos quais, 900 milhões vivem em favelas.

Porém, não se pode interromper o crescimento da população nem mesmo conter o fluxo de pessoas em direção às cidades (ou mesmo em direção a outros países, como vimos ocorrer atualmente) em busca de melhores condições de vida ou sobrevida e trabalho.

A rápida urbanização ocasionou perdas significativas para as cidades: desigualdades sociais, sistemas de transporte precários ou insuficientes, congestionamentos no tráfego, poluição do ar, problemas de gestão de resíduos, sistemas deficientes de atenção à população (habitação, saúde, educação), segurança pública ineficiente, dentre outros fatores que comprometem a qualidade de vida da população.

Portanto, essa rápida urbanização representa um grande desafio aos governos, em todos os âmbitos, no sentido de atender às demandas por serviços adequados de atenção às pessoas, de repensar o planejamento das cidades, os projetos, financiamentos, construções, gestão e operação da infraestrutura urbana.

Ao contrário do que proliferou nos grandes centros urbanos e suas franjas, ou seja, o distanciamento e a clausura “segura” dos muros dos condomínios, ROGERS, em seu livro, defende e reinterpreta o modelo de “cidades densas” investindo na ideia da “cidade compacta”, onde as atividades econômicas e sociais se sobreponham e as comunidades desenvolvam um sistema de vizinhança, perseguindo a noção de cidade sustentável.

ROGERS pondera que, se é possível contar com produtos ecologicamente corretos, sistemas de geração de energia limpos, transportes públicos limpos, sistemas avançados de tratamento de esgoto e lixo, etc., atrelado a esses elementos é possível haver vantagens sociais com a proximidade, maximizando o uso de infraestrutura já implantada, redescobrindo os benefícios de morar na companhia do outro. Para ROGERS, a cidade sustentável precisa:

  • ser justa: promovendo justiça, alimentação, abrigo, saúde, educação e esperança, com a participação de todos;
  • ser bonita: onde arte, arquitetura e paisagem incitem a imaginação;
  • ser criativa: aberta a novas experiências;
  • ser ecológica: minimizando impactos ao meio ambiente, onde paisagem e áreas construídas estejam em equilíbrio e edifícios e infraestrutura sejam seguros e eficientes;
  • ser fácil: provendo mobilidade, onde a informação seja trocada tanto pessoalmente quanto eletronicamente;
  • ser compacta e policêntrica: protegendo a área rural, concentrando e integrando comunidades e maximizando a proximidade;
  • ser diversificada: gerando vitalidade através das atividades.

Essas considerações nos levam refletir que, para que as cidades adquiram a condição de sustentáveis, é necessário um planejamento integrado, incentivando empreendimentos multifuncionais (habitação, comércio, serviços, cultura, lazer), adensamento ao longo dos eixos de mobilidade, priorização de transporte público visando a diminuição de tempo em deslocamentos, combatendo a ociosidade da terra que não cumpre sua função social, desenvolvendo, por exemplo, mecanismos de parcelamento dessa terra, essas e muitas outras estratégias, aliadas à utilização de inovações tecnológicas que capacitem a gestão e monitoramento da infraestrutura, contribuindo para redução de poluição, para um menor consumo de recursos e maior eficiência energética, promovendo a vivência em comunidade e melhor de qualidade de vida, dentre outros fatores.

Avançando para o conceito de cidade inteligente, a gestão pública deverá enfrentar os desafios da implementação das infraestruturas digitais e da manutenção e desenvolvimento desse conhecimento para que a inovação e a reprodução das ações possa ter continuidade, lançando mão dessas tecnologias digitais para implementar sistemas de informações visando melhorar a disponibilidade e qualidade das infraestruturas e serviços públicos, incrementando sua capacidade de crescimento e estimulando a inovação e o desenvolvimento sustentável.

Para WEISS, BERNARDES e CONSONI, a proposição de cidade inteligente deve ser vista e avaliada com cautela. Ela não deve ser retratada como um local imaginário ou utópico, para onde convergem as ideias de desenvolvimento sustentável e da democratização do acesso e ao uso da informação. Propor cidades inteligentes pressupõe formas verdadeiras e factíveis de materializar tais ideias, desenvolvendo projetos criteriosos para a melhoria das condições de vida.

Para os autores, criar uma cidade inteligente não se trata de uma revolução ou um fenômeno localizado e particular. Trata-se de uma evolução, de desenvolvimento socioeconômico e de um fenômeno global no qual se busca harmonia entre o mundo material e o mundo virtual, entre todos os subsistemas do sistema urbano.

Exemplificando, no que diz respeito à Tecnologia de Informação e Comunicação, ao implementar redes de fibra ótica que permitam fluxo de dados em maior velocidade, interligando diversos órgão públicos (escolas, secretarias, postos de saúde) e centrais de serviços públicos, conectando bairros, provendo parques e áreas públicas com acesso wi-fi gratuito, apenas para citar algumas ações, a prefeitura da cidade poderá disponibilizar em seu portal diversos serviços à população, evitando deslocamentos para emissão de certidões, protocolos de processos, segundas-vias, programações culturais, programas de educação à distância, reclamações, sugestões, etc. Será possível também, o monitoramento, em tempo real, de pontos e vias específicos e estratégicos da cidade, aumentando a capacidade de ações para a segurança do cidadão e defesa civil, dentre outras muitas ações.

ROGERS inicia seu livro com uma previsão desanimadora e o finaliza colocando em nossas mãos (cidadãos, gestores, técnicos, acadêmicos) a responsabilidade da construção de cidades bonitas, seguras e igualitárias: sustentáveis e inteligentes.

Sandra Roiphe é arquiteta e urbanista pela FAU Farias Brito, mestre em Projeto de Arquitetura pela FAU USP. Desenvolve projetos e obras residenciais, comerciais e institucionais em São Paulo, Santana de Parnaíba, Barueri e litoral norte de São Paulo. Docente nos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Design de Interiores.

Edição nº 21 Revista AETEC. link abaixo;

https://www.aetec.org.br/revista-online/edicao-no-21/