DEPOIMENTO DE QUEM SOFRE COM A RAPOSO

Em 2007 foi realizado o primeiro Fórum sobre a Raposo e o segundo em 2014. Em ambos, apesar de convite insistente, não compareceu ninguém do governo do estado. Nos últimos 20 anos quase nada foi feito para melhorar a fluidez do trânsito na “rodovia” mais uma avenida do que rodovia, ao contrário, inúmeras obras foram feitas junto à Raposo Tavares, que hoje impede o seu alargamento além de aumentar as entradas e saídas na boca da rodovia, algumas a 90º. Em ambos os Fóruns especialistas indicaram a necessidade de vias paralelas serem implantadas para permitir a locomoção entre bairros, sem entrar na Raposo. Nada, nada.

Quando a rodovia Anchieta saturou foi feita a Imigrantes, ao lado da Anhanguera a Bandeirantes, da Dutra a Airton Sena. Agora o congestionamento está chegando nas transversais: Av. São Camilo, Est. de Embu, Av. José Giorgi, etc.

O trânsito engarrafado dificulta o crescimento das cidades, do comércio, o estudo nas escolas, a ida ao lazer, a qualidade de vida e saúde vai ao nível mais baixo. Jaime Lerner, o arquiteto que deu cara nova para Curitiba fala que “na maioria das administrações públicas falta criatividade e fazer e quando fazem, faz sempre o mesmo”. Fomos colher o depoimento de pessoas que utilizam a rodovia no seu dia a dia, para manifestar seus dramas.

“Vivenciei algo perigoso, mas que me fez refletir sobre como o pedestre tem perdido espaço nas cidades”

Sergio Nahras,
Morador na Fazendinha,
Euroville, Carapicuíba

Saio diariamente às 5h da manhã, para não pegar trânsito e chegar tranquilo no Jaguaré, a 18km, em 20 minutos, pegando a Politécnica.
Se saio as 6h dobra o tempo, 40 minutos. Quando saio às 7h já perdi 20 minutos só na S. Camilo – no meu entender trava graças ao retorno estúpido em sentido contrário na entrada do viaduto, quando tem uma alça, que poucos usam. O transporte público é lastimável, com aquelas Vans loucas. Acho graça dos lançamentos imobiliários colocarem nos folhetos “A 20 minutos da Faria Lima” sem falar que isso pode acontecer saindo às 5h como eu.

Marcos Francisco de Almeida,
Engenheiro, trabalha em São Paulo, na
Av Juscelino Kubitschek, mora na Est.
do Capuava há 34 anos.

Se sair no horário convencional(entre 7 e 8h) demoro em torno de 1 e ½ hora, aproximadamente 28km, o que dá uma média na velocidade de 18,7 km por hora. Consumo de combustível altíssimo.
-NR Quando foi apresentado o projeto de concessão desta parte da Raposo – que com investimento de 2 bilhões, iria elevar a média de velocidade nos horários de pico para 70km/h – de se pagar pedágio por km rodado, que daria em média R$2,00 por dia, a maioria ficou revoltada, mas não fica revoltada em pagar 4,00 a mais por dia de gasolina- porque cai o rendimento do carro no consumo de combustível em quase 50% , o que ocasiona esse gasto.
Hoje em dia eu saio de casa entre 5 e 5:30h para chegar no escritório às 6:30h, sendo o horário de acordar pelo menos às 4h.Mas se tiver algum acidente (e tem sempre pela irresponsabilidade dos motoristas e trajeto de uma rua tortuosa com dezenas de entradas e saídas e não propriamente de uma rodovia) estamos perdidos porque NÃO TEMOS NENHUMA ALTERNATIVA.
Para retorno saio às 16h para chegar entre 17 e 17:30h.Logo teremos de trabalhar à noite, não vai demorar muito ou home office. Inimaginável pensar em cidade inteligente e uso de tecnologia da informação e comunicação para dar solução física para a Raposo. Por mais que se pense no assunto, o carro será o meio de transporte para quem quer se deslocar pela região, porque temos a maioria morando longe do eixo central da rodovia e também não temos transporte publico para se chegar na Raposo e usufruir do transporte público de péssima qualidade.

Ricardo Adachi,
CEO da rede de lojas CONIBASE

Encontro muita dificuldade para que os meus caminhões de entrega cumpram os prazos, a nossa logística é sempre conduzir nos contra fluxos para amenizar o problema. Sinto que os meus funcionários têm muita dificuldade em entrar no horário ( tivemos de passar o horário de abertura das 7:30h para as 8h para facilitar os funcionários, e muitas vezes temos de dar preferência a candidato que more perto, mesmo que não tenha o melhor perfil. Desistimos do projeto de colocar a sede administrativa na nossa loja da Raposo, que tem muito espaço, por causa do acesso dos funcionários. Tudo isso é mais custo para a empresa.

Ana Carolina de Mello Silva,
Estudante de arquitetura e urbanismo
na Universidade Anhembi Morumbi,
na Mooca, reside em Vargem Grande Paulista.

Não deveria ser algo tão desafiador, mas ir para a faculdade todo dia se torna um sacrifício quando o percurso é sair de Vargem Grande Paulista, onde moro, para chegar na faculdade ás 8h da manhã no bairro da Mooca, região metropolitana de São Paulo. Todo dia acordo às 4h30 e saio de casa ás 5 horas, meu pai me leva de carro até Cotia, para que eu pegue o ônibus Barra Funda, cujo preço é de R$ 11,80. Parando no ponto final, continuo o percurso de metrô, na linha vermelha, desço na estação Bresser-Mooca e ando 7 minutos até a faculdade, chegando em torno das 8h, caso não tenha trânsito na Raposo Tavares. O pior e mais demorado trajeto é para voltar para casa, não tem ônibus que venha diretamente para Vargem Grande em todos os horários, então o percurso se torna ainda mais cansativo, pego o metrô até a estação Butantã onde embarco em um ônibus até Cotia, lá pego um ônibus até Vargem Grande e ao chegar no ponto do meu condomínio ando 20 minutos até em casa. Levo em torno de 3 horas de percurso na ida para a faculdade e 3 horas e meia para voltar pra casa, somando essas horas eu perco em torno de 4 dias por mês no trajeto casa/faculdade. Além do trânsito, existem outros fatores que pioram o deslocamento da maioria da população que mora na zona oeste. A precariedade dos ônibus e a falta de linhas que nos permitam chegar ao nosso destino sem fazer inúmeras baldeações (pagando absurdos por um serviço que não atende devidamente a demanda) vem diminuindo a qualidade de vida de todos que dependem desta Rodovia. Mesmo que a crise de mobilidade atinja São Paulo como um todo, a população mais afetada é a de baixa renda que usa majoritariamente o transporte público.
“Segundo a pesquisa Origem e Destino realizada a cada dez anos pelo Metrô (2008), o tempo médio de viagem em transporte coletivo é 2,13 vezes superior ao tempo médio de viagem em transporte individual.” (Mobilidade na cidade de São Paulo) As consequências de termos cidades configuradas em benefício dos transportes rodoviários afetam a forma que vivemos nesses espaços. Os percursos se tornam cansativos e longos, as áreas de convivência como praças e parques diminuíram e a mobilidade do pedestre é totalmente afetada, não existem calçadas e se uma emergência acontecer, as pessoas se sujeitam a andar em espaços mínimos, ao lado de carros a 90 km/h. Aconteceu comigo meses atrás, desci em um ponto de ônibus e precisava fazer um pequeno percurso de 800 metros até chegar ao meu destino, não havia calçada, o risco de ser atropelada era grande (mostra-se na foto) e havia um casal levando compras de mercado na minha frente, pude deduzir que é um percurso que muitas pessoas fazem. Vivenciei algo perigoso, mas que me fez refletir sobre como o pedestre tem perdido espaço nas cidades, dessa forma passar horas no trânsito é a única opção que nos resta.

Matéria da revista AETEC 21º Edição.

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