Mudança de Escala

“O tempo linear é uma invenção do Ocidente, o tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado onde, a qualquer instante, podem ser escolhidos pontos e inventadas soluções, sem começo nem fim.” Lina Bo Bardi

Desde o início do ano de 2020, ao sermos impacta[1]dos por um processo global, atípico, intenso e desafiador – a pandemia do COVID-19 – este, nos trouxe a reinterpretação de significados diários das nossas relações com os mais variados espaços em que vivemos. E trouxe consigo binômios que nos provocaram a repensar as nossas visões e perspectivas sobre onde vivemos: em um grandioso e complexo ecossistema. Não estamos realmente sozinhos (e nunca tivemos).

E o melhor: estamos realmente estabelecendo uma relação saudável para todos, neste ecossistema? Interessante que uma crise de saúde global, tenha nos feito pensar sobre o quão saudáveis estamos vivendo conjuntamente em nossos diferentes espaços. Estamos?

Os binômios refletiram – e refletem – de forma precisa, a necessidade de revisão das nossas relações espaciais, principalmente pela melhor qualidade de coexistência nos ambientes, gerando assim, uma outra e revigorada perspectiva de pertencimento, de identidade e de cultura com o espaço. Para exemplificar, é importante citarmos alguns exemplos de binômios que atingiram em cheio a nossa percepção diária dos ambientes em que vivemos: a nossa individualidade x grupo/ família nos espaços, a noção de presença e ausência da qualidade ambiental, configurada nos objetos, na luz natural, na área verde/ biofílica, nos animais de estimação, nos novos hábitos, hobbies, nos excessos x necessidades, enfim, em uma nova gestão de observação, agraciada de maneira intensa por uma nova relação não-linear com o TEMPO. Sim, o tempo – e a sua observação e gestão – talvez tenha sido um dos maiores aprendizados deste momento atual. Tempo das pessoas, das coisas, dos objetos, das memórias. Tempo da gente. Nosso tempo.

Ainda sobre os binômios, é importante citar a relação entre o espaço público x espaço privado (a necessidade do distanciamento social, nos trouxe a “saudade da rua” e a reflexão de como os equipamentos urbanos, a mobilidade, entre outros assuntos, se tornam importantes e passíveis de serem observados, melhorados e utilizados com qualidade, justamente na impossibilidade de acessá-los. E ao mesmo tempo o enfrentamento do espaço residencial e íntimo, como catalizador de inúmeras atividades configuradas em verbos, as quais pelo mesmo motivo, se tornam necessárias de serem realizadas privativamente: trabalhar, educar, exercitar, entreter, relaxar, meditar…entre outros, nos provoca a repensar em quais escalas estabelecemos o pensamento projetual. Não estamos relacionando somente a competência métrica e técnica e sim, outras fontes importantes de pesquisa e observação, que perpassam pela análise de comportamentos e necessidades contemporâneas, que impactam diretamente sobre o que é o espaço residencial, da casa, do morar. Ou melhor: é o espaço de vivência conjunta, compartilhada, inclusiva, identitária e sustentável. Parte-se então, de uma visão integralizada, multidisciplinar, transversal e ecossistêmica para todos os diferentes espaços, seja residencial, como citado, corporativo, comercial, institucional, digital, natural, livre, público, entre outros, criando novas geografias integradas, com possibilidade plausíveis, reais e viáveis de vivência em comunidade.

De certa forma, o momento em que estamos, atualizou a nossa percepção e nos cobra respostas possíveis sobre aquilo que entendemos sobre o tempo, sobre a saúde de forma ampliada, sobre as necessidades conjuntas e de todos, sobre as nossas escalas de aproximação, sobre a nossa noção qualitativa ambiental, sobre as presenças e ausências diárias – temporárias e definitivas, sobre o viver contemporâneo na tangência da construção do espaço. Mais que um período crítico global, trata-se de uma valiosa oportunidade de realizarmos propostas projetuais no campo da Arquitetura e do Design de forma potente e com uma grande possibilidade de impacto positivo para uma vivência realmente generosa para todos.

Prof. Me. Alexandre N. Salles. Arquiteto e mestre em Semiótica Urbana, formado pela FAU-USP. Coordena os cursos de graduação e pós-graduação em Design de Interiores e Design de Mobiliário do Instituto Europeu di Design – IED São Paulo

Matéria da revista AETEC nº36 edição.

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